quarta-feira, 29 de junho de 2011

Evidências da Ressurreição

Por N. T. Wright

Tentarei resumir essa resposta. Meu pai leu meu lon­go livro a Ressurreição de Deus, quando estava com oitenta e três anos de idade. Levou apenas três dias para ler setecentas páginas. Só lia, não fazia mais nada. Então, me ligou e disse:

— Acabei de ler o livro.

— Você o quê? — perguntei.

— Já li o livro e, para dizer a verdade, comecei a gos­tar depois de ler seiscentas páginas.

Achei aquilo um elogio deliciosamente duvidoso. Pensando que ele trabalhara como madeireiro, eu disse:

— Papai, as primeiras quinhentas páginas, mais ou menos, são as raízes. Se uma árvore não tem raízes, não fica em pé e não produz frutos.

— É, acho que foi o que pensei — ele replicou. — Mas sempre gostei mais dos galhos de cima.

Então, preciso falar um pouco das raízes. Uma das coisas de que mais gostei, escrevendo o livro, foi voltar ao meu território clássico e pesquisar antigas crenças so­bre a vida e a morte. E há muitas delas, mas “ressurrei­ção” não aparece no mundo greco-romano. Na verdade, Plínio, Ésquilo, Homero, Cícero e todos os outros escrito­res antigos dizem “é claro que sabemos que ressurreição é uma coisa que não acontece”. Na mesma época, os ju­deus haviam desenvolvido uma teologia bastante espe­cífica sobre a ressurreição, a de que os membros do povo de Deus se levantariam de entre os mortos no fim dos tempos.

O elemento tempo é muito importante, porque os cristãos do mundo ocidental usam a palavra “ressur­reição” como um termo vago que significa “vida após a morte” e que nunca teve esse significado no mundo anti­go. É um termo específico para o que chamo de “vida após a vida após a morte”. Em outras palavras, primeiro morremos, estamos mortos, sem vida corporal, e depois “ressuscitamos”, o que significa que começamos uma nova vida corporal, uma nova vida após seja lá o que for essa “vida após a morte”.

Podemos ver como a crença na ressurreição ocorria no judaísmo. Ressurreição é uma seqüência de duas etapas: lodo depois que morremos, ficamos em estado de espera, e depois temos essa vida inteiramente nova, cha­mada “ressurreição”. No livro sobre o assunto, eu me diverti muito desenhando um mapa das crenças judaicas sobre da vida após a morte, dentro de um mapa maior das crenças antigas a esse respeito. No judaísmo há algu­mas variações. Os fariseus acreditavam na ressurreição, e parece que essa era a crença principal no judaísmo pa­lestino do tempo de Jesus. Os saduceus não acreditavam em vida após a morte, muito menos em ressurreição. E pessoas como Fílon, e talvez os essênios, acreditavam em uma imortalidade espiritual em uma única etapa, na qual, após a morte, nós simplesmente vamos para onde temos de ir e ficamos lá, em vez de passar por uma posterior ressurreição.

Isso tudo torna-se ainda mais interessante porque, em todas as sociedades estudadas, as crenças sobre a vida após a morte são muito conservadoras. Diante da morte, parece que as pessoas voltam às práticas e crenças que conhecem, à maneira como a tradição, a família, a vila, e assim por diante, cultivam costumes fúnebres. Assim, é verdadeiramente notável que, até o fim do segundo sé­culo, quando os gnósticos começaram a usar a palavra “ressurreição” num sentido muito diferente, todos os primeiros cristãos que conhecemos acreditavam em uma futura ressurreição do corpo, embora muitos deles vies­sem do mundo pagão, onde esse assunto era considera­do pura bobagem.

Um mito moderno circula por aí, dizendo que fomos apenas nós, com nossa ciência contemporânea pós-Esclarecimento, que descobrimos que pessoas mortas não se levantam do túmulo. Os antigos, pobrezinhos, não eram esclarecidos, então acreditavam em todos esses milagres malucos. Mas isso é simplesmente falso. Um adorável trecho literário de C. S. Lewis é sobre isso. Ele fala da virginal concepção de Jesus e diz que José ficou preocupado com a gravidez de Maria não porque não soubesse de onde vinham os bebês, mas porque sabia. Acontece o mesmo com a ressurreição de Jesus. As pes­soas do mundo antigo eram incrédulas quanto à alega­ção cristã porque sabiam perfeitamente bem que quando alguém morre, permanece morto.

Então, descobrimos — e isso é absolutamente fasci­nante para mim — que podemos rastrear, no cristianis­mo nascente, variações da clássica crença judaica na res­surreição. Primeiro, em vez de a ressurreição ser algo que simplesmente ia acontecer a todo o povo de Deus no fim dos tempos, era, para os cristãos, algo que acontecera an­tecipadamente a uma pessoa. Bem, nenhum judeu do pri­meiro século, pelo que eu saiba, podia acreditar que uma pessoa ressuscitasse antes de todas as outras. Era uma ino­vação radical, mas todos os cristãos acreditavam nisso.

Segundo, as pessoas acreditavam que a ressurreição envolveria a transformação do corpo físico. Os judeus que acreditavam na ressurreição estavam divididos. Uns di­ziam que teriam um corpo físico exatamente igual ao que tinham em vida, e outros diziam que novo corpo seria luminoso, brilhante como uma estrela. Os primeiros cris­tãos não diziam nem uma coisa nem outra. Falavam de um novo tipo de forma física — isso fica muito claro nos ensinamentos de Paulo, e não apenas nos dele —, defini­tivamente corporal no sentido de ser sólido e substan­cial, mas transformado, de modo que não fosse mais sus­cetível à dor ou à morte. Isso é algo novo. Essa descrição de ressurreição não é encontrada no judaísmo.

Terceiro, naturalmente, os cristãos acreditavam que o Messias ressurgira de entre os mortos, no que nenhum judeu do Segundo Templo acreditava porque, de acordo com o judaísmo do Segundo Tempo, o Messias jamais morreria. Então, isso também era uma novidade.

Quarto, os cristãos usavam a idéia de ressurreição de um modo diferente. No judaísmo, a idéia fora usada como metáfora para “retorno do exílio”, como vemos em Ezequiel, capítulo 37. Mas no cristianismo iniciante — e estou falando bem do início, por exemplo, do tempo de Paulo —, encontramos essa idéia usada em conexão com batismo, santidade e vários outros aspectos que não fa­ziam parte do judaísmo. Isso mostra uma radical inova­ção, algo muito diferente do ponto de vista judaico.

Quinto, achamos que, para os primeiros cristãos, “res­surreição” era algo para o que o povo de Deus contri­buía. Os cristãos eram chamados para trabalharem jun­tamente com Deus para implementar o que fora iniciado na Páscoa e, assim, antecipar o novo mundo que Deus, um dia, criaria. Isso também era novo, mas explicável apenas como uma mutação dentro do judaísmo.

Sexto, vemos que no cristianismo emergente a res­surreição deixou de ser uma doutrina entre muitas ou­tras — importante, mas não demais —, o que continua a ser no judaísmo, para tornar-se o centro de tudo. Tire essa idéia, digamos, dos livros de Paulo, de I Pedro, do Apo­calipse, e destruirá toda sua estrutura. Temos de concluir que algo deve ter acontecido para tirar “ressurreição” da periferia para o ponto mais central.

Sétimo, descobrimos que no cristianismo iniciante não havia crenças variadas sobre o que acontece após a mor­te. No judaísmo havia vários pontos de vista, e no mun­do pagão, ainda mais, mas no cristianismo havia apenas uma; a ressurreição. Levando em consideração como as pessoas são conservadoras em suas opiniões sobre a vida após a morte, isso é realmente notável. Parece, de fato, que o cristianismo nascente tinha boas razões para re­pensar até essa mais pessoal e importante questão de cren­ça. Vemos que os primeiros cristãos discordam sobre uma porção de coisas, mas eram notavelmente unânimes em sua opinião de que a ressurreição devia ser sua crença, mas também a respeito de como ela funciona.

Tudo isso força-nos, como historiadores, a fazer uma pergunta muito simples: por que os primeiros cristãos tinham essa muito nova, mas admiravelmente unânime, opinião a respeito da ressurreição? Essa é uma pergunta histórica de fato interessante. É claro, todos os primeiros cristãos diziam que tinham essa opinião por causa do que acreditavam a respeito de Jesus. Agora, se a idéia de que Jesus se ergueu dos mortos só aparecesse depois de vin­te ou trinta anos de cristianismo, como muitos estudio­sos céticos têm suposto, encontraríamos muitas facções que não aceitariam a ressurreição, e aquelas que aceitas­sem lhe dariam uma forma diferente daquela específica do cristianismo primitivo. Assim, a ampla e unânime acei­tação da crença na ressurreição pelos primeiros cristãos força-nos a dizer que alguma coisa certamente aconteceupara moldar e colorir todo o movimento cristão.

A esta altura, temos de perguntar: e as narrativas en­contradas no Evangelhos? O que dizer de Mateus 28, do curto relato em Marcos 16, do um pouco mais longo em Lucas 24 e do muito mais longo em João 20-21? E, claro, eu, como praticamente todos os estudiosos dos Evange­lhos, acredito que eles foram escritos muito mais tarde. Não sei quando foram escritos. Ninguém sabe, apesar de alguns eruditos insistirem em nos dizer que sabem. Os Evangelhos podem ter sido escritos cedo, por volta do ano 50 do primeiro século, talvez ainda antes, ou no ano 70 e até 80 ou 90. Mas, para o argumento que defendo no momento, isso não faz diferença.

O que importa é que as narrativas sobre a ressurrei­ção e o material relacionado ao assunto, encontrado no começo do livro de Atos, têm certas características im­portantes, comuns aos quatro Evangelhos, demonstram historicamente que, embora fossem escritos mais tarde, relatam os fatos de uma forma que deixa claro que não foram muito alterados, que foram editados, mas não subs­tancialmente modificados. Isso é, obviamente, de enor­me importância.

A primeira característica é o retrato de Jesus nas nar­rativas da ressurreição. Já foi dito, muitas e muitas vezes, que: 1) o Evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escri­to, e ali há pouca coisa sobre a ressurreição; 2) o de Mateus veio depois, e nele não há muito mais; 3) já próximo do fim do século, apareceram os Evangelhos de Lucas e João, e só então encontramos histórias de Jesus comendo pei­xe assado, preparando o desjejum à beira do mar, con­vidando Tomé a tocá-lo, e assim por diante. De acordo com a teoria, havia cristãos já quase no fim do primeiro século que começaram a acreditar que Jesus não era ge­nuinamente humano, que não era um homem real, de modo que Lucas e João inventaram aquelas histórias a fim de dizer que sim, que ele era humano, que o Jesus ressuscitado tinha corpo real, e assim por diante.

O problema com essa teoria que, diga-se de passa­gem, é bem popular é que aquelas narrativas sobre Jesus estar cozinhando na praia, partindo o pão em Emaús, convidando Tomé a tocá-lo, e outras mais, mostra esse mesmo Jesus passando por portas fechadas, às vezes sen­do reconhecido, e às vezes não sendo, desaparecendo de um momento para o outro e, finalmente, subindo ao céu. Suponhamos que eu estivesse inventando uma história no ano 95 d.C., porque sabia que algumas pessoas esta­vam um pouco inseguras a respeito da questão de Jesus verdadeiramente humano. Eu não poria todo esse mate­rial em minha história. Seria como marcar um gol contra.

Do outro ponto de vista, se você fosse um judeu do primeiro século e quisesse inventar uma história sobre Jesus ter sido erguido do meio dos mortos, o mais natu­ral seria recorrer a Daniel 12, um dos grandes textos so­bre ressurreição para o judaísmo do Segundo Templo. Em Daniel 12 está escrito que, no reino do Pai, o justo brilhará como uma estrela. Jesus cita essa passagem em Mateus 13. Por isso, o mais fascinante é que nenhuma narrativa da ressurreição mostra Jesus brilhando como uma estrela. Se os evangelistas estivessem se aproveitan­do desses textos para dar credibilidade ao que estavam inventando teriam dito que isso acontecera.

Assim, a partir desses dois pontos de vista, o retrato de Jesus nos relatos da ressurreição é muito, muito estra­nho. Não é o que se poderia esperar que fosse. Não há nenhuma descrição como essa nas narrativas judaicas da época. Mas, de modo notável, ela é uniforme nos Evan­gelhos de Mateus, Lucas e João. No de Marcos, o relato é curto demais para que possamos saber o que mais ele teria contado se houvesse continuado um pouco mais. Então, realmente, algo muito bizarro aconteceu. É como se os evangelistas estivessem querendo no dizer: “Sei que vocês vão achar muito difícil acreditar, mas foi isso ver­dadeiramente o que aconteceu”. O acontecimento foi tão extraordinário que deixou sua marca nas narrativas. Qua­tro pessoas não tirariam a mesma coisa da cabeça. Qual­quer um que escrevesse um relato fictício do aconteci­mento naquela Páscoa teria tornado Jesus mais claramente reconhecível.

Deixem-me fazer um comentário à parte. Quem lê os relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João no original gre­go e os compara, vê que são muito diferentes, embora todos contassem a mesma história, que mostra as mu­lheres indo ao túmulo, e assim por diante. Os quatro usam palavras diferentes, então, podemos supor que um co­piou do outro, simplesmente.

O segundo fato é que há uma ausência quase com­pleta de alusões ao Velho Testamento nos relatos da res­surreição. Nas narrativas da crucificação, fica claro que a história da morte de Jesus foi contada vezes sem conta na comunidade cristã primitiva, com alusões ao Salmo 22, Isaías, capítulo 53, Zacarias e outras passagens do Ve­lho Testamento. Mas quando se trata da ressurreição, não encontramos essas alusões na narrativa dos quatro evangelistas. Vale lembrar que o apóstolo Paulo, em Coríntios I, capítulo 15, ergueu-se de entre os mortos “de acordo com as Escrituras”. No início da década de 50 do primeiro século, ele tinha uma rica coleção de textos do Velho Testamento a que recorrer para interpretar a res­surreição. Teria sido muito fácil para Mateus, que adora­va nos falar sobre o cumprimento das Escrituras, dizer que aquilo acontecera para que as Escrituras se cumpris­sem. Ele, porém, não faz isso. Do mesmo modo, João ex­plica que, quando os discípulos foram ao túmulo, ainda não conheciam a passagem das Escrituras que diz que ele ressurgiria de entre os mortos. Mas também não cita a passagem, nem diz em que parte do Velho Testamento se encontra. E, na estrada de Emaús, Lucas pede a Jesus que explique as Escrituras, mas também não conta o que foi que Jesus explicou.

Isso é muito estranho. Ou dizemos que a igreja pri­mitiva escrevia narrativas da ressurreição repletas de ci­tações ao Velho Testamento, e que Mateus, Marcos, Lucas e João, agindo de forma independente, usaram essas re­ferências, ou dizemos que essas histórias remontam ao início de uma tradição oral que precede a reflexão teológica. Em minha opinião, essa segunda explicação é, de longe, a mais provável.

A terceira característica fascinante das narrativas é o lugar ocupado pelas mulheres. No mundo judeu e pa­gão antigo, as mulheres não tinham credibilidade para serem aceitas como testemunhas em um julgamento. E, quando fala da tradição pública sobre Jesus, em Coríntios I, capítulo 15, Paulo diz: “Esta é a história como a conta­mos. Ele foi crucificado por causa de nossos pecados, de acordo com as Escrituras, e então foi visto por…”. Segue-se uma lista de nomes masculinos. “Por Cefas, Tiago, pelos primeiros discípulos, por quinhentos ao mesmo tempo e, por último, por mim.” Então, perguntamos: Des­culpe, Paulo, mas onde estão as mulheres? A resposta é que, já naquela época, a tradição pública varrera as mu­lheres do relato porque sabia que elas teriam problemas se não fossem eliminadas. Vimos o problema que enfrenta­ram quando lemos Celsus que, um século mais tarde, es­carnece da ressurreição dizendo: “Essa fé baseia-se ape­nas no testemunho de algumas mulheres histéricas”.

Então, é fascinante que em Mateus, Marcos, Lucas e João, temos Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e ou­tras mulheres. E Maria Madalena, justo ela — sabemos de seu passado —, é escolhida como principal testemu­nha e aparece em todos os quatro relatos. Como historia­dores, somos obrigados a comentar que, se essas histó­rias foram inventadas cinco anos depois da morte de Jesus, para não falar em trinta, quarenta ou cinqüenta anos depois, eles nunca poriam Maria Madalena nesse papel. Do ponto de vista dos defensores cristãos que que­rem explicar a uma platéia cética que Jesus realmente res­surgiu dos mortos, pôr Maria Madalena nesse papel é o mesmo que dar um tiro no próprio pé. Mas para nós, historiadores, esse tipo de coisa é puro ouro em pó. Os primeiros cristãos nunca, nunca inventariam isso. As histó­rias sobre as mulheres descobrindo o túmulo vazio e de­pois encontrando Jesus ressuscitado devem ser vistas como solidamente históricas.

Passemos, então, à quarta e última característica fas­cinante dos relatos. Aqui falo como pregador que pre­gou praticamente em todos os domingos de Páscoa nos últimos trinta e cinco anos. Pregadores, de acordo com a tradição ocidental, fazem na Páscoa sermões sobre a res­surreição de Jesus, nossa vida futura, nossa própria ressur­reição ou nossa ida para o céu. Mas nas narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João, não há nenhuma menção a uma vida futura. Paulo, no entanto, cada vez que men­ciona a ressurreição fala também dessa nossa futura vida. Em Hebreus, lemos sobre a ressurreição de Jesus e a nos­sa. No livro do Apocalipse, mais uma vez encontramos um vínculo entre nossa própria ressurreição e a de Jesus. Justino, o Mártir, Inácio de Antioquia e Irineu usam esse vínculo. “Pensamos na ressurreição de Jesus a fim de re­fletir sobre a nossa.”

Mas Mateus, Marcos, Lucas e João não dizem “se Je­sus ressuscitou, nós também vamos ressuscitar um dia”. Dizem, e isso surpreende as pessoas, que Jesus ressusci­tou, e que por isso era realmente o Messias. “Começou a nova criação de Deus. Temos uma tarefa a cumprir e, o mais importante, somos levados a adorar esse Jesus, por­que sabemos que ele encarnou o Deus de Israel, o cria­dor do universo.” Em outras palavras, essas histórias, como as lemos nos Evangelhos, remontam a um modo primitivo de contar a história que nem mesmo nos diz que também seremos ressuscitados porque Cristo ressus­citou, como nos diz Paulo no final da década de 40 do primeiro século. Assim, temos de concluir que essas nar­rativas surgiram antes de Paulo, no tempo em que a igreja estava apenas começando, ainda em choque diante do acontecimento totalmente inesperado da ressurreição e tentando compreender o que ele significava.

Tirei certas conclusões de tudo isso. A fim de explicar o surgimento do cristianismo, a fim de explicar a existên­cia desses quatro relatos da ressurreição, mais o que en­contramos a respeito em Atos e nas epístolas de Paulo, precisamos dizer que a igreja nascente de fato acreditava que Jesus se levantara corporalmente do túmulo. Não existe nenhuma evidência que nos leve a pensar que al­gum dos primeiros cristãos não acreditava. Mas como podemos, como historiadores, explicar isso?

É óbvio que, como cristãos, podemos interromper o andamento desse argumento. Muitos cristãos têm feito isso, o que é uma pena, porque é sinal de que não enten­deram o ponto vital. “Claro, ele era o Filho de Deus, po­dia fazer qualquer coisa”, é uma alegação freqüente.

Eu, porém, não quero fazer isso. Quero ser fiel aos textos, que não fazem essa alegação. O que devemos per­guntar é como podemos explicar esse fenômeno extraor­dinário, o fato de o cristianismo primitivo tomar essa for­ma específica e de contar-nos as histórias muito específicas que nos contou. Quando procuro explicações históricas, descubro que duas coisas em particular devem ter acon­tecido: 1) devia haver um túmulo vazio, que era conheci­do como o que recebera o corpo de Jesus, e não podia haver engano; 2) deve ter havido aparições de Jesus res­suscitado.

Por que as duas coisas devem ter acontecido? Por­que, se houvesse um túmulo vazio e nenhuma aparição, todo o mundo antigo chegaria à óbvia conclusão — ób­via para eles, não para nós — de que o corpo fora roubado. Os túmulos eram sempre assaltados, principalmente se as pessoas sepultadas eram ricas ou famosas, porque podia haver jóias lá dentro. Então, as pessoas diriam o que Maria disse: “Roubaram o corpo. Não está lá, não sei o que aconteceu”. E ninguém jamais falaria em ressurrei­ção, se tudo se resumisse a um túmulo vazio.

Do mesmo modo, não podemos explicar os dados históricos que comentamos, dizendo simplesmente que os discípulos devem ter tido algum tipo de experiência que tomaram como um encontro com Jesus. Sabiam que Jesus fora morto. Todos sabiam a respeito de alucinações, espíritos e visões. A antiga literatura judaica e a pagã es­tão cheias dessas coisas. Isso remonta a Homero, a Virgílio. Algumas pessoas, recentemente, têm dito, para argumen­tar que a ressurreição não pode ter acontecido, coisas as­sim: “Ah, bem, quando morre um ente querido nosso, às vezes o vemos junto de nós, sorrindo, até mesmo con­versando, então a visão desaparece. Talvez fosse isso o que aconteceu aos discípulos”. E é verdade, li sobre isso. Trata-se de um fenômeno bem-documentado que faz parte do processo de luto, e cada um pode explicá-lo como quiser. Mas o caso é que os cristãos primitivos também co­nheciam tais fenômenos.Sabiam perfeitamente que havia coisas como visões, alucinações, sonhos, espíritos, e as­sim por diante. Se elas tivessem a experiência, por mais vivida, de estar com Jesus, mas o túmulo não estivesse vazio, teriam dito: “Nossa, isso foi muito forte e, de certa forma, consolador, mas ele não ressuscitou, é claro, por­que os mortos não se levantam — até que todos se levan­tem no fim dos tempos — e, seja como for, o corpo dele continua no túmulo”.

Neste ponto, precisamos lembrar a maneira como os judeus daquele tempo enterravam os mortos. Um fune­ral, na Palestina da época, era feito em duas etapas. Na primeira, embrulhavam o corpo em panos, com especia­rias, e o colocavam numa laje em uma tumba cavada na rocha, ou talvez até no porão da casa. Não o enterravam da maneira que é usada no mundo ocidental moderno, em uma cova na terra, que depois é preenchida, porque depois, quando a carne se decompunha, os ossos eram retirados. Daí a necessidade de especiarias, que disfarça­vam o mau cheiro da decomposição. Então, decomposta a carne, os ossos eram recolhidos e colocados em um ossuário, uma caixa que era guardada num lóculo — um nicho no fundo do túmulo ou em algum outro lugar con­veniente. Os arqueólogos voltam a fazer escavações em Jerusalém, em busca de ossuários, cada vez uma nova estrada é aberta, um novo hotel Hilton ou um condomí­nio são construídos. Eles têm centenas, até mesmo mi­lhares de ossuários.

A razão de eu estar dizendo isso é que, se o corpo de Jesus ainda estivesse no túmulo, os discípulos não teriam dificuldade em descobrir e diriam que, por mais fortes que fossem, as visões que haviam tido não passavam de alucinações e que Jesus, afinal, não se levantara de entre os mortos. Então, nós, como historiadores, dizemos que realmente deve ter existido um túmulo vazio, que as apa­rições de Jesus devem realmente ter acontecido, embora ele parecesse estranhamente transformado, de um jeito que os discípulos não esperavam, de um jeito que nós achamos muito desconcertante.

Chegamos, finalmente, ao último movimento neste jogo de xadrez. Como eu, um historiador, explico essas coisas que para mim são fatos: o túmulo vazio e as apari­ções de Jesus? A explicação mais fácil é que isso tudo acon­teceu porque Jesus realmente se ergueu dos mortos, e os discípulos realmente o viram, embora com corpo reno­vado e transformado, de modo que agora parecia que ele podia viver em duas dimensões ao mesmo tempo. Essa, na verdade, talvez seja a melhor maneira de compreendermos o fenômeno: Jesus agora estava vivendo na di­mensão de Deus e na nossa, ou, se preferirem, no céu e na terra, simultaneamente.

A ressurreição de Jesus nos dá suficiente explicação para o túmulo vazio e seus encontros com os discípulos. Tendo examinado todas as outras possíveis hipóteses que li a respeito do assunto, essa explicação, além de sufi­ciente, é também necessária

Parte superior do formulário



Nenhum comentário:

Postar um comentário